“O conhecimento é o alimento da alma.” (Platão)
Um pouco de conhecimento, para começar.
Quando Aristóteles elaborou a sua Teoria das Esferas, na Grécia do séc IV a.C, estava convicto de que cada coisa existia em razão de quatro “causas" que eram imanentes a todos os corpos: causa formal, causa material, causa eficiente e causa final. As duas primeiras causas se referem à forma e à matéria da dita coisa; já a causa eficiente corresponde àquilo que o sujeito faz da coisa. A causa final seria, portanto, aquilo que dá propósito ao objeto (diferente do que postulavam os atomistas de então).
“[…] natureza é uma causa, uma causa que opera por um propósito"
Foi ele quem dividiu o cosmos em esferas concêntricas antes de Ptolomeu, tendo a Terra no meio e imediatamente circundada pela esfera sublunar, onde as coisas nascem e morrem por assumirem uma natureza efêmera e transiente (ao passo em que as esferas supralunares seriam imutáveis e eternas). Valeu-se também da ideia de um quinto elemento, a quintessência ou éter, a constituir os corpos celestes (estes que se moviam de forma circular e eterna, enquanto os corpos terrestres eram verticalizados em direção ao centro da Terra, sendo formados pelos 4 elementos: terra, água, fogo e ar). O éter preencheria todo o mundo supralunar, dividido em esferas onde se localizavam os planetas.

Na mitologia grega, o éter era pensado como sendo a essência pura que os deuses respiravam, preenchendo o espaço onde viviam, assim como o ar é respirado por nós, meros mortais.
Pois bem.
Quando nos aproximamos do Arcano V, é certo que estamos diante de algo luminoso e divino tal como a quintessência mítica do éter. Para Sallie Nichols1, o Papa é a face visível de Deus: a manifestação física daquilo que a alma conhece através da própria transcendência (quando vive a experiência mística da Papisa, o Arcano II). Em primeiro lugar, é válido lembrar que a iconografia medieval do Tarot traz uma boa dose de influência cristã, e por essa razão a figura máxima da autoridade religiosa nos arcanos é representada pelo chefe da Igreja Católica.
Mas há quem discorde.
Alberto Cousté, na contramão deste pensamento, refere-se ao arcano V como O Pontífice ao invés de O Papa, em atenção ao fato de que “seu simbolismo obedece mais a este termo genérico de intermediário (ponte) do que à figura concreta do chefe da Igreja Católica. Mesmo que a sua iconografia sugira o contrário.” 2
Adentrando as camadas simbólicas desta representação, que chega a nós às vésperas do início da lunação de Peixes no próximo dia 09, temos aqui algo a mais do que simplesmente entregar-se e diluir nas correntezas marítimas. Temos a presença de alguém que pode nos conduzir ao mergulho; alguém que performa o papel do pontifex, a ponte entre o humano e o divino - um papel, inclusive, que é essencialmente atribuído a Júpiter, o planeta que rege o signo de Peixes e representa todas as figuras sacerdotais, do guru tibetano ao pastor protestante.
“O Papa, sentado no trono como a figura central, emoldurado pelos dois homens ajoelhados à sua frente e pelos dois pilares erguidos atrás, reitera o seu número, cinco - número simbólico da quinta-essência, a preciosa e indestrutível qualidade só conhecida do homem e que transcende os quatro elementos terrenos, comuns assim aos homens como aos animais. Podemos ver o Papa, nesse caso, como a personificação exteriorizada da luta do homem pela conexão com a divindade - da sua decicação à busca do significado, que coloca o homem acima dos animais.” (Sallie Nichols)
É curioso falar dO Papa em uma época onde o apelo à vivência de uma certa espiritualidade autônoma é muito estimulado, pressupondo que cada um deve buscar o seu próprio sagrado dentro de si, e que portanto a intervenção de um pontífice já não é mais tão necessária.
Eu discordo.
Há um discurso inerente ao faça você mesmo que flerta com os ares políticos de um certo sistema econômico predominante na nossa sociedade, que começa com capi e termina com talismo. No fundo deste discurso, existe uma ideia atravessada de autosuficiência que não é real. É claro que não devemos depender de uma autoridade religiosa para validar a autenticidade das nossas experiências místicas com o divino. Mas sendo o Papa aquele que interpreta, organiza e verbaliza a lei espiritual através do seu sistema de conhecimento, é uma grande vantagem poder contar com esse pontífice quando estamos dando nossos primeiros passos no caminho da fé religiosa ou espiritual, de qualquer crença que seja (inclusive dentro da magia, onde prevalece a liberdade do culto mas que, ainda assim, é geralmente apresentada a um neófito pela figura de um sacerdote ou sacerdotisa que faz a intermediação entre aquele e os mistérios a conhecer).
Um fato incontestável é o de que estamos, desde março de 2023, imersos na temporada de Saturno em Peixes: a presença do grande maléfico neste que é o signo devocional de Júpiter e Vênus. De lá até aqui, vários líderes religiosos tombaram publicamente no seu religare duvidoso, incluindo a polêmica envolvendo o líder budista Dalai Lama logo no início de abril do ano passado. Máscaras caíram, cairão e irão continuar caindo, ainda que após o término deste trânsito (em março de 2026), pois o pontífice, ainda que grande conhecedor da lei espiritual e postulador do dogma, é, sobretudo, humano e portanto falível (das formas mais perversas possíveis, é verdade), dentro das (i)limitações que o tamanho do seu próprio ego impõe.
O que convém para lembrar-nos do tão indispensável senso crítico que nos cabe ao eleger aquele ou aquela que poderá nos conduzir pelos caminhos de conhecimento a que nos dispomos atualmente. O Papa é, sobretudo, uma referência em qualquer assunto a que nos dispomos a atravessar, desde a religião até a filosofia, e todos os demais temas que tenham uma figura central ou centralizadora que pode nos oferecer esse conhecimento. É por isso que, além dos sacerdotes, os professores também são Papas - e não se iluda, pois, seja qual for a pessoa que você considere uma referência dentro do seu contexto pessoal, é nela que você investe a sua fé: a mínima crença de estar sendo conduzido por alguém que sabe mais do que você naquele assunto, e pode te oferecer não só a organização, mas também a interpretação e o aconselhamento em relação àquilo que você almeja conhecer.
Quem é o seu Papa hoje?
E agora, uma sugestão de encantamento para março: sente-se em um lugar confortável, feche os seus olhos e induza uma respiração tranquila e ritmada. Conforme for aquietando sua mente, trace, utilizando o seu poder de visualização, um pentagrama (estrela de cinco pontas) diante de você. Vá construindo as linhas deste pentagrama à medida em que você inspira e expira, suavemente e sem pressa, até fechar totalmente a estrela. Ao terminar o processo, coloque-se dentro deste pentagrama, vendo-se ao centro e rodeado pelos cinco elementos que o compõem (o ar, o fogo, a água, a terra e o éter na ponta central). Permaneça ali pelo tempo que julgar necessário. Repita sempre que sentir necessidade de se sentir mais harmonizado.
Um abraço estrelado,
Marcela.
“Jung e o Tarô - uma jornada arquetípica” (Ed. Cultrix, 2007)
“O Tarô ou a máquina de imaginar” (Alberto Cousté, Ed. Labor, 1977)
Sensacional. Pensei também nos xamãs e sacerdotes de povos que nada têm a ver com as grandes religiões (em número) que conhecemos. Sempre tem aquela pessoa sábia, que salvaguarda ensinamentos e passa de geração em geração. Como conhecimento é poder, o ego inflado bate à porta. Mas também não possui ego inflado quem não aceita ajuda e direcionamento de ninguém? É uma crítica externa e interna, tenho minhas rebeldias. Mas estou aprendendo com minhas orações a comungar mais e competir menos. É completamente capitalista mesmo, até a entonação de voz de autoridade (quer dizer, autoritária) que estamos vendo cada vez mais nas redes. Acho que é Pontifex toda pessoa que me ensina e que admiro, e amei você associar Júpiter a Papa, porque para mim Saturno é Eremita, e converso com eles. Há mais Tempo com o pai, agora tenho dado uns olás para o filho (regente do meu ascendente, MC e Fortuna!), e olha, juntar esses ensinamentos é sem igual.